domingo, 2 de novembro de 2008

EVANESCENTE

Todos os dias é preciso que eu me suicide um pouco.

Quero chegar ao fim já tendo conseguido volatizar boa parte do que sou.

Porque quanto menos de mim houver, mais fácil será enxergar o Absoluto.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

RENDIÇÃO

Talvez, seja hora de morrer.

Necessária uma longa preparação - talvez, toda uma vida - para saber morrer. Mas a gente se esquece disso...

Vejo que preciso afastar de mim todos os meus desejos irrealizados e sabê-los, de alguma forma, o caminho no aprendizado da dor...

Porque para transcender a dor é preciso transcender o próprio desejo...

É preciso, pois, não desejar...

Aspiro à morte em um dia nublado... propício à introspecção e ao silêncio...

(Quem sabe, em dia de primavera atípica e neurótica, onde a explosão das flores cedeu lugar a frentes frias intempestivas...)

Desisti de pedir socorro.

Sei que a vida não terá misericórdia de mim, por isso, submeto-me àquilo que é apenas necessário.

Estou entregue e desarmada.

Agora estou em paz...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

FLORES DE OUTONO

De longe, eu observava a árvore fatídica que, todos os anos, despida e esgalhada, era para mim, como um grito de socorro desenhado no ar.

Quantos outonos fora preciso suportá-la ?
Não havia, de minha parte, nenhuma compaixão por sua angústia muda e vegetal.

Na verdade, aquela árvore – que , de alguma forma, me incomodava – nascera no meu jardim à revelia de qualquer ato meu: eu não a tinha plantado, e ela se soerguera defronte à minha casa, sem sequer me pedir licença.

Às vezes, eu não podia evitar a idéia absurda de que ela havia nascido nos meus domínios intencionalmente, dotada de um livre arbítrio único e exclusivo.

Diante dela, eu me sentia vagamente humilhada. Como alguém que intuísse no comportamento de uma criança uma superioridade que tornasse ridículo o encargo de ser seu mestre.

Acho que ela sabia que era odiada. E ainda assim resistia, magnânima o suficiente para ignorar minha hostilidade e continuar ... me amando.
Porque ela me amava, a mim, que de bom grado a teria arrancado pela raiz...

Amava-me, causando-me todos os anos este desconforto vago e insubsistente... o mesmo que me causaria a sinceridade excessiva de um amigo...

A árvore parecia cobrar de mim – ser racional (?) – a coragem de viver. De enfrentar as perdas. De abandonar todos os referenciais e renascer do nada. Como ela própria, em sua sabedoria genética, aprendera a fazer.

Submetida dócil e serenamente aos ritmos da contração e da expansão, do morrer e renascer contínuos, ela me dizia: “vive, mulher, foi para isso que nasceste. Não sejas menor do que eu”.

No dia em que consegui entender isto – eu, que era incapaz de jogar objetos inúteis fora por uma necessidade doentia de sedimentação – pus-me à sua frente no jardim, e tal como ela, fiquei nua, cercada de folhas secas.

Éramos, então, apenas substância.

Duas entidades vivas, em essência pura, uma diante da outra, prescindindo de tudo quanto fosse acessório na crise cósmica do Outono.

A nossa identificação foi tão absoluta, que eu já não sabia mais se era uma árvore ou uma mulher.

sábado, 13 de setembro de 2008

NOTAS DE UM ÚNICO SAMBA

A dor em dó maior.
A dor maior em dó
O nó da maior dor.

Seja lá qual for o tom,
O samba é sempre mesmo:
É claro que se fala de amor.

domingo, 7 de setembro de 2008

GESTAÇÃO

Na curva, retornei à noite de mim.
Andando na contramão do tempo,
de novo me fiz embrião.
Até que se cumpram os sóis de fora,
Deixo que a vida se desvele e,
Alquimista,
Transfigure as sombras
em parto de luz.

sábado, 23 de agosto de 2008

TEU COLO

Não raro, eu invento Teu Colo -
eu ...que não sei parecer frágil, humana e normal.



Teu Colo... fragmento isolado de um Tu que seja amoroso e acolhedor...



Se aquilo que é fenômeno em mim
transparece rochedo - mineral milenar -
aquilo que em mim é essência
estende a mão oculta e muda,


quase suplicando socorro,

quase declarando indigência,

quase confessando que sonha

poder deitar

nesse Teu Colo diáfano.


sábado, 2 de agosto de 2008

ESQUIZOFRENIA

Só a palavra me reconstrói: as letras que me definem
– quando solicitadas – reúnem-se em algum espaço virtual da alma, e por breves instantes,
recompõem
Meu nú
cleo
des
a
gre
ga
do
.

Por um átimo de segundo, sinto-me, de novo, alguma coisa que tem começo, meio e fim, para, no instante seguinte, voltar a ser um mero
amontoado
de letras
em
des
or
dem
.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

ODE AO NÃO-TEMPO

Ando devagar.

Rumino a vida,
nietzscheanamente...
como uma vaca -
que segue pela estrada,
alheia aos perigos da lentidão.


Lastimo se desagrado ao meu tempo...


Gosto dos bordados...
das costuras bem feitas...


Gosto da tapeçaria
que descortina sentidos...


Uma vida
em
vídeo-clip
não serve
nem
como fala
terapêutica...

é pura
des
cons
tru
ção

sábado, 19 de julho de 2008

OS CÃES DE BRONZE: PRAÇA CASTILHOS FRANÇA - ESTAÇÃO AFONSO PENA DO METRÔ

Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, quarenta e cinco anos haviam se passado, e eles ainda estavam lá...

Resistiram bravamente às investidas da especulação imobiliária... do progresso...das necessidades políticas e sociais de criar infra-estrutura urbana... malha viária...equipamentos sociais...

Resistiram e permaneceram em estado de alerta: testemunhas oculares da minha infância e do implacável fluir do tempo.

A Praça Castilhos França, no bairro da Tijuca, no Rio, hoje já não é mais a praça que me viu brincar até os onze anos de idade: perdeu árvores, perdeu o laguinho, perdeu as áreas gramadas.

Trinta e quatro anos de exílio, e a reencontro seca como uma paisagem de outono.

Aposto que se tornou mais conhecida como “a praça que fica na Estação Afonso Pena do Metrô.”

No entanto, lá estão os cães de bronze: espólio da memória, estuprada pela dimensão fenomênica da vida.

Hoje, mais do que nunca, entendo o poeta Carlos Drummond de Andrade:

“Itabira é apenas um quadro na parede. Mas como dói”.

sábado, 5 de julho de 2008

A PROVA QUÂNTICA DA EXISTÊNCIA DE DEUS

A física teórica ainda vai provar a existência de Deus...
Tenho fé...
Qualquer dia, a gente acorda com os jornais todos em uníssono...
"EXTRA... EXTRA...
FÍSICO QUÂNTICO DEDUZ EQUAÇÃO E APONTA
PORTAL DE DEUS !"

sábado, 14 de junho de 2008

FERIDA NARCÍSICA

E se a Terra não fosse redonda?
E se o Sol fugisse do céu?
E se a vida fosse uma farsa?


E se tudo o que vemos
Fosse apenas um game?


E se a nossa história
estivesse
de fato
nas mãos


de um moleque
intergaláctico?

quinta-feira, 12 de junho de 2008

BACANTE

Não sei do tempo em que me senti feliz,
mas sei fazer de conta.


Sou atriz, sou bacante.


Meus andrajos ficam do lado do avesso:
ninguém desconfia que dentro de mim,
arrasto correntes por calabouços medievais

domingo, 1 de junho de 2008

SOLIDÃO SOLIDÁRIA

Tantas vezes,
das cinzas - re-nata:
Fênix incansável.

Ferida incurável:
Quíron.

A dor transmutada em
nietzscheana vontade de potência.

sábado, 31 de maio de 2008

MARÉ VAZANTE

AMOR – ESTAÇÃO TERMINAL :
MARÉ VAZANTE.


REFLUXO DE EROS
TRANSFORMADO

EM TSUNAMI DE DOR.


NA AREIA,
APENAS AS CICATRIZES DOS TEMPOS DE PLENILÚNIO

domingo, 27 de abril de 2008

REBELDIA

A palavra é sempre insuficiente: jamais atinge o núcleo da Terra.
Jamais se lambuza no Magma e, portanto, jamais retorna imbuída da fúria das forças da natureza.
Jamais expõe. Ao contrário, oculta.
Jamais escancara. Ao contrário, vela.


ABAIXO A PALAVRA SEM VERDADE!


Ai, eu quero a força absoluta do indizível, portas e janelas destruídas...
Quero a verdade nua e crua, sem molduras...
Sem simulacros nem simulações...
Nem que para isso seja necessário retornar ao grito primal...
Minha alma já não suporta as camadas arqueológicas da civilização...

domingo, 20 de abril de 2008

CANÇÃO DO EXÍLIO II

Fui tomada de assalto por um medo irracional: a expansão do Universo vai nos deixar,a qualquer momento, sem contato possível com os demais fragmentos do Big Bang.
O título da matéria publicada sobre isso era: O fim da Cosmologia (Scientific American -abril de 2008).
Fiquei imaginando essa terrível solidão cósmica - mais uma a ser enfrentada em nossas vidas pós-modernas.
Soltos no espaço e sem vizinhança - mesmo que seja só para bisbilhotar - nossa existência pode vir a adquirir um quê de exílio, onde aquela dor de desterrado não tenha qualquer esperança de resolução.
Será esse o substrato do mito do paraíso perdido ?
Será isso um eterno retorno do mesmo ?Esse apartamento progressivo do núcleo de um Universo será cíclico - algo que se repete indefinidamente como se estivéssemos dentro de uma mandala ?
Será que o prisma através do qual filtramos a vida guarda correspondência com esses momentos astronômicos ? Por que nos sentimos hoje a cada dia mais desligados de tudo o que nos cerca - ilhas humanas sem compromisso com nada nem com ninguém ?
Por favor, não me levem a sério... São perguntas sem resposta de alguém que já está se sentindo como um degredado sideral...

domingo, 13 de abril de 2008

FELINIDADE

Um gato deitado no tapete da sala,
passeia por Universos desconhecidos.


Uma Esfinge me desafia em silêncio...


Após me atravessar suas lanças verdes,
torna-se entediado de mim.


E misteriosamente ...
some pela janela...

domingo, 13 de janeiro de 2008

ESPÉCIE MUTANTE


Os jornais noticiaram com estardalhaço: o homem pós-moderno é uma espécie mutante:

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS FRANCE PRESS: Mutações genéticas já fizeram do Homo sapiens sapiens uma espécie mutante que deletou a afetividade e a capacidade de amar.

Este animal não é capaz de qualquer tipo de relacionamento prolongado com seus semelhantes, seja lá de que naipe for.

A transitividade dos amores e amizades aponta para uma civilização de indivíduos isolados, sem qualquer caráter gregário. Eventuais retornos atávicos à necessidade de convívio provocam crises e consultas a terapeutas.

As imagens de satélites mostram os humanos se movimentando desconfiados e sozinhos nas selvas urbanas. As cadeias ecológicas são totalmente atípicas, tendo em vista que são grupos da mesma espécie que desempenham o papel predatório em relação uns aos outros.

A solução para o Homo sapiens sapiens é um saquinho de antrax...