quarta-feira, 24 de setembro de 2008

FLORES DE OUTONO

De longe, eu observava a árvore fatídica que, todos os anos, despida e esgalhada, era para mim, como um grito de socorro desenhado no ar.

Quantos outonos fora preciso suportá-la ?
Não havia, de minha parte, nenhuma compaixão por sua angústia muda e vegetal.

Na verdade, aquela árvore – que , de alguma forma, me incomodava – nascera no meu jardim à revelia de qualquer ato meu: eu não a tinha plantado, e ela se soerguera defronte à minha casa, sem sequer me pedir licença.

Às vezes, eu não podia evitar a idéia absurda de que ela havia nascido nos meus domínios intencionalmente, dotada de um livre arbítrio único e exclusivo.

Diante dela, eu me sentia vagamente humilhada. Como alguém que intuísse no comportamento de uma criança uma superioridade que tornasse ridículo o encargo de ser seu mestre.

Acho que ela sabia que era odiada. E ainda assim resistia, magnânima o suficiente para ignorar minha hostilidade e continuar ... me amando.
Porque ela me amava, a mim, que de bom grado a teria arrancado pela raiz...

Amava-me, causando-me todos os anos este desconforto vago e insubsistente... o mesmo que me causaria a sinceridade excessiva de um amigo...

A árvore parecia cobrar de mim – ser racional (?) – a coragem de viver. De enfrentar as perdas. De abandonar todos os referenciais e renascer do nada. Como ela própria, em sua sabedoria genética, aprendera a fazer.

Submetida dócil e serenamente aos ritmos da contração e da expansão, do morrer e renascer contínuos, ela me dizia: “vive, mulher, foi para isso que nasceste. Não sejas menor do que eu”.

No dia em que consegui entender isto – eu, que era incapaz de jogar objetos inúteis fora por uma necessidade doentia de sedimentação – pus-me à sua frente no jardim, e tal como ela, fiquei nua, cercada de folhas secas.

Éramos, então, apenas substância.

Duas entidades vivas, em essência pura, uma diante da outra, prescindindo de tudo quanto fosse acessório na crise cósmica do Outono.

A nossa identificação foi tão absoluta, que eu já não sabia mais se era uma árvore ou uma mulher.

sábado, 13 de setembro de 2008

NOTAS DE UM ÚNICO SAMBA

A dor em dó maior.
A dor maior em dó
O nó da maior dor.

Seja lá qual for o tom,
O samba é sempre mesmo:
É claro que se fala de amor.

domingo, 7 de setembro de 2008

GESTAÇÃO

Na curva, retornei à noite de mim.
Andando na contramão do tempo,
de novo me fiz embrião.
Até que se cumpram os sóis de fora,
Deixo que a vida se desvele e,
Alquimista,
Transfigure as sombras
em parto de luz.