O racionalismo iluminista representou uma guinada nos paradigmas conceituais da História Ocidental eurocêntrica, ao transitar da aceitação pura e simples da autoridade da Igreja Católica para o anseio pelo conhecimento com suporte em hipóteses racionais e comprovação experimental.
Desde que conjugado corretamente, o verbo conhecer teria o condão de levar a humanidade a vivenciar uma Idade das Luzes – assim reza a tradição que se iniciou com Descartes.
No entanto, cá estamos nós, os herdeiros da Aufklärung, a braços com a fome e os vermes, com os homeless e a crise financeira mundial, com a falta de sentido e com o vácuo de reflexão.
Se nos anos 60 e 70, a Guerra Fria era a responsável pelo receio da hecatombe nuclear, hoje vemos a própria Natureza assestar sua artilharia pesada não apenas contra o Homem, mas contra toda a vida do planeta.
Onde foi que falhamos?
Por óbvio, a culpa não pode ser imputada ao impulso absolutamente natural e salutar de buscar o conhecimento.
“Todos os homens por natureza tendem ao saber” – já dizia Aristóteles na abertura do Livro Alfa da Metafísica.
Mas o que nos aparta, hoje, na Modernidade, do desejo de saber dos gregos é a pouca disposição para reconhecer que a racionalidade permeia tudo o que existe, e não existe apenas no Homem; ou seja: existe uma razão objetiva no mundo.
Nesse sentido, aponta o diagnóstico de Max Horkheimer, em Eclipse da Razão:
“Durante longo tempo, predominou uma visão diametralmente oposta do que fosse razão. Essa concepção afirmava a existência da razão não só como uma força da mente individual, mas também do mundo objetivo: nas relações entre os seres humanos e entre as classes sociais,nas instituições sociais, na natureza e suas manifestações. Os grandes sistemas filosóficos, tais como os de Platão e Aristóteles, o escolasticismo e o idealismo alemão, todos foram fundados sobre uma teoria objetiva da razão (...) O grau de racionalidade de uma vida humana podia ser determinado segundo a sua harmonização com essa totalidade. (...) Esse conceito de razão jamais excluiu a razão subjetiva, mas simplesmente considerou-a como a expressão parcial e limitada de uma racionalidade universal, da qual se derivavam os critérios de medida de todos os seres e coisas.A ênfase era colocada mais nos fins do que nos meios.”[1]
Tal maneira de ver o mundo conferia ao homem, portanto, um sentimento de pertencimento: o ser humano não era um bárbaro invasor no Universo, posto que o seu existir - e o de todas as coisas - era peça calculada de uma engrenagem cósmica. Esta liga entre todos os elementos do Cosmos – que Platão chamava de Eros - é que fazia com que o ser humano se sentisse comprometido com esse Todo.
É exatamente nesse compromisso com o Todo que repousa o limite da racionalidade subjetiva.
A mente humana anseia por categorizar, por leis que descrevam as regularidades do mundo.
Mas descrever as leis que regem as regularidades do mundo deveria representar o reconhecimento - no mundo - de uma racionalidade imanente, que não necessita se explicar a si mesma porque simplesmente é.
Daí a razão pela qual o pensamento oriental não é discursivo: o caminho do Oriente - complementar ao do Ocidente - anseia, ao contrário de nós... pelo silêncio...
A iluminação no Oriente não se dá através da razão discursiva, mas da razão contemplativa, tal como uma gota de água que, devolvida ao oceano, perde a sua identidade como gota e volta a se integrar ao Todo...
Renovo a pergunta: onde foi que falhamos?
Não falhamos, por certo, no ato de conhecer, mas em nossa atitude diante do conhecimento consumado, que foi posto à disposição da subjugação da Natureza, sem qualquer limite e em nome de interesses absolutamente desconectados de qualquer alteridade: nosso problema é de natureza ética.
Pelo fato de não havermos respeitado a racionalidade imanente da Natureza, ultrapassamos o limite do razoável: não criamos cultura, mas desrazão.
Acredito, no entanto, no movimento pendular da História, que tem no seu correlato oriental – o TAO TE KING – uma correspondência biunívoca: tudo traz em si o germe do seu oposto.
Talvez, estejamos próximos de mais uma guinada nos paradigmas conceituais da contemporaneidade...
[1] Horkheimer, Max. Meios e fins. In Eclipse da Razão. São Paulo: Centauro, 2002, pág. 10/11.
Desde que conjugado corretamente, o verbo conhecer teria o condão de levar a humanidade a vivenciar uma Idade das Luzes – assim reza a tradição que se iniciou com Descartes.
No entanto, cá estamos nós, os herdeiros da Aufklärung, a braços com a fome e os vermes, com os homeless e a crise financeira mundial, com a falta de sentido e com o vácuo de reflexão.
Se nos anos 60 e 70, a Guerra Fria era a responsável pelo receio da hecatombe nuclear, hoje vemos a própria Natureza assestar sua artilharia pesada não apenas contra o Homem, mas contra toda a vida do planeta.
Onde foi que falhamos?
Por óbvio, a culpa não pode ser imputada ao impulso absolutamente natural e salutar de buscar o conhecimento.
“Todos os homens por natureza tendem ao saber” – já dizia Aristóteles na abertura do Livro Alfa da Metafísica.
Mas o que nos aparta, hoje, na Modernidade, do desejo de saber dos gregos é a pouca disposição para reconhecer que a racionalidade permeia tudo o que existe, e não existe apenas no Homem; ou seja: existe uma razão objetiva no mundo.
Nesse sentido, aponta o diagnóstico de Max Horkheimer, em Eclipse da Razão:
“Durante longo tempo, predominou uma visão diametralmente oposta do que fosse razão. Essa concepção afirmava a existência da razão não só como uma força da mente individual, mas também do mundo objetivo: nas relações entre os seres humanos e entre as classes sociais,nas instituições sociais, na natureza e suas manifestações. Os grandes sistemas filosóficos, tais como os de Platão e Aristóteles, o escolasticismo e o idealismo alemão, todos foram fundados sobre uma teoria objetiva da razão (...) O grau de racionalidade de uma vida humana podia ser determinado segundo a sua harmonização com essa totalidade. (...) Esse conceito de razão jamais excluiu a razão subjetiva, mas simplesmente considerou-a como a expressão parcial e limitada de uma racionalidade universal, da qual se derivavam os critérios de medida de todos os seres e coisas.A ênfase era colocada mais nos fins do que nos meios.”[1]
Tal maneira de ver o mundo conferia ao homem, portanto, um sentimento de pertencimento: o ser humano não era um bárbaro invasor no Universo, posto que o seu existir - e o de todas as coisas - era peça calculada de uma engrenagem cósmica. Esta liga entre todos os elementos do Cosmos – que Platão chamava de Eros - é que fazia com que o ser humano se sentisse comprometido com esse Todo.
É exatamente nesse compromisso com o Todo que repousa o limite da racionalidade subjetiva.
A mente humana anseia por categorizar, por leis que descrevam as regularidades do mundo.
Mas descrever as leis que regem as regularidades do mundo deveria representar o reconhecimento - no mundo - de uma racionalidade imanente, que não necessita se explicar a si mesma porque simplesmente é.
Daí a razão pela qual o pensamento oriental não é discursivo: o caminho do Oriente - complementar ao do Ocidente - anseia, ao contrário de nós... pelo silêncio...
A iluminação no Oriente não se dá através da razão discursiva, mas da razão contemplativa, tal como uma gota de água que, devolvida ao oceano, perde a sua identidade como gota e volta a se integrar ao Todo...
Renovo a pergunta: onde foi que falhamos?
Não falhamos, por certo, no ato de conhecer, mas em nossa atitude diante do conhecimento consumado, que foi posto à disposição da subjugação da Natureza, sem qualquer limite e em nome de interesses absolutamente desconectados de qualquer alteridade: nosso problema é de natureza ética.
Pelo fato de não havermos respeitado a racionalidade imanente da Natureza, ultrapassamos o limite do razoável: não criamos cultura, mas desrazão.
Acredito, no entanto, no movimento pendular da História, que tem no seu correlato oriental – o TAO TE KING – uma correspondência biunívoca: tudo traz em si o germe do seu oposto.
Talvez, estejamos próximos de mais uma guinada nos paradigmas conceituais da contemporaneidade...
[1] Horkheimer, Max. Meios e fins. In Eclipse da Razão. São Paulo: Centauro, 2002, pág. 10/11.