domingo, 24 de maio de 2009

REFLEXÕES

Apenas as vidas incompletas podem ansiar pela completude. (Se tudo já estivesse perfeito, quem buscaria sentido para as coisas ?)
Diríamos que, dentre todos os homens, é o filósofo aquele que mais se coloca sob o signo de Penia - tal como ensina Platão no diálogo O Banquete - e que sente com intensidade máxima sua condição existencialmente indigente.
Há, portanto, em função disso, um impulso por dissolver essa indigência numa plenitude não-sujeita às flutuações temporais. Nisso se revela um segundo apelo da natureza humana: ela se põe na contingência, mas anseia pelo que é permanente. Esta é a razão pela qual Eros (que é princípio de ligação que permeia tudo o que existe) nos leva à contemplação do Bem Supremo: a cada "estrato" da realidade fenomênica que é vencido, vamos sendo quindados a zonas do real cada vez mais imateriais, onde a temporalidade já não exerce o seu domínio e onde é possível vencer a transitoriedade. É claro que nisso se descortina um prazer: aquele que remete à paz, à serenidade ou, no dizer dos céticos e epicuristas, a uma ataraxia - ou seja - à tranquilidade do espírito em relação às paixões.
Herbert Marcuse, na esteira do pensamento de Freud, interpreta este anseio pela tranquilidade como um retorno à condição do inorgânico, portanto, algo que se assemelha à pulsão de morte.
Diríamos que tal interpretação mutila o homem, fazendo deletar de sua natureza algo que lhe é tão inerente quanto buscar explicações lógicas e racionais para as coisas: a de que há um apelo inexorável a especular sobre realidades transcendentes.
Lembramos aqui as palavras de Diotima, no diálogo O Banquete, quanto à sabedoria e à ignorância. Ao provocar Sócrates quanto ao que ele pensa ser uma coisa e outra,e se ambas são conclusivamente excludentes, ela responde que há entre uma e outra "o opinar certo" que é um elo de ligação entre a sabedoria e o entendimento. Em palavras textuais:
"O opinar certo, mesmo sem poder dar razão, não sabes, dizia-me ela, que nem é saber - pois o que é sem razão, como seria ciência? - nem é ignorância - pois o que atinge o ser, como seria ignorância? - e que é, sem dúvida, alguma coisa desse tipo a opinião certa, um intermediário entre o entendimento e a ignorância."
Ora, se todos os povos sobre a face da Terra desenvolveram algum tipo de pensamento sobre realidades transcendentais, há algo na natureza humana que - tal como um centauro - aponta sua seta nessa direção: se ainda não é plenamente racionável (metade cavalo) não é, de forma alguma, alheia à natureza do homem (metade humana).
Assim sendo, amordaçar a alma inquieta do homem e negar a ela a possibilidade de pertencer a um projeto cósmico do qual ainda nada podemos efetivamente saber é negar a ele sua metade instintiva - porque há um instinto, sim, que é da ordem do não-corporal.
Um instinto que exige resolver a pertença do homem a naturezas contrapostas através da harmonização em um ponto que se coloca para além do vôo cego que é a vida na contingência.