domingo, 27 de setembro de 2009

RESENHA: INSTINTO -ANTONY HOPKINS EM MAGISTRAL 'INCORPORAÇÃO'

Em mais uma interpretação magnífica de ANTONY HOPKINS, o filme INSTINTO é para ser degustado e revisitado em várias sessões.

Basicamente, o tema tratado diz respeito àquilo que o homem perde quando a razão se torna sua única linguagem com o mundo.

HOPKINS interpreta um antropólogo que se embrenha nas florestas africanas para estudar os gorilas. Aos poucos, no entanto, vai se despojando de sua atitude científica diante do objeto estudado, para se deixar permear pelos elos de solidariedade com os animais e o ambiente: elos que existiram no passado atávico da espécie humana e que se perderam com a chamada “civilização”.

O antropólogo, após se dar conta disso, passa pela traumática experiência da violência do homem contra os animais... a quem tenta defender e, por sua vez, por quem é igualmente defendido.

Ser tão profundamente recebido no seio de outra espécie transforma o antropólogo em alguém que acaba por perder os laços com a sua própria espécie, razão pela qual ele emudece: a negação da linguagem é a marca mais evidente da ruptura com o outro civilizado.

O resgate transformador da linguagem negada se dá com um jovem psiquiatra – não por acaso, negro – brilhante, ambicioso, cheio de valores civilizados, que, por sua vez, resgata em si também a pura e simples capacidade de se identificar com o outro e de se descobrir também um doente da civilização.

Um filme inesquecível, para ser aplaudido de pé.

REALIDADE VIRTUAL

Vivo no avesso de mim.
Apenas minha turbulência dá notícia de que estou viva.
Tanto eu quis aprender a serenidade!
Mas a vida já se faz tarde, e ainda há tanto por fazer...

Revisito com freqüência meu passado,
E minhas cicatrizes sangram como feridas em seu estado original.
Nas minhas memórias ainda te dou vida:
Brinco de deus,
e conduzo a matriz da tua realidade
por desdobramentos diferentes do que foram...

Tenho saudades do que não vivemos...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O MOVIMENTO DIALÉTICO E OS NÁUFRAGOS DO DESESPERO

MOVIMENTO I – O DESESPERO DAS QUESTÕES INDECIDÍVEIS – AS APORIAS:


Quem falou de liberdade?
Alguém falou em liberdade?
O que é liberdade?


Seria sentir-se para além da opressão?
Seria desobrigar-se do mundo?
Seria estar livre da contingência?


Quando eu diria: “estou livre”?
Quando, liberta de um peso, um suspiro de alívio perpassasse a minha alma?

Quando,em um instante de introspecção, um suspiro de paz se fizesse presente?

Quando vejo minha gata dormindo, tenho a sensação de que ela é livre...
E que em seu sono, pode habitar qualquer mundo e ainda assim, estar sempre em paz...


Há liberdade na morte?
Há paz na morte?
Haverá uma relação entre liberdade e paz?

Pode haver um mundo regido por leis necessárias e simultaneamente, pode haver liberdade nesse mundo?

Ah, meu Deus!

Por que não bato com a cabeça na parede
E acabo de uma vez com isso?


MOVIMENTO II – A ORAÇÃO DO NÁUFRAGO:

Não me abandone.

Estenda sua mão para que eu não desista.

Não quero que meu fim seja assim: no desamparo absoluto das questões mais importantes.

Seja lá quem você for, preciso de sua mão diáfana, para não estar –logo mais – soterrada sob o mais absoluto desespero...


MOVIMENTO III – AS TENTATIVAS DE RESGATE:


TESE 1:

Houve uma escolha antes do Tempo. Você contemplou as verdades eternas e escolheu um destino a cumprir que se submeterá, no plano da contingência, a leis necessárias.

Objeção: silêncio.

TESE 2:

Você recupera sua liberdade na medida em que conhece as razões. Ao se libertar da servidão em relação à exterioridade, você interioriza as causas de seu existir e passa a desejar aquilo que não se submete à contingência. A sua mente em união com a Natureza Naturante abre o caminho para o retorno ao seio do incondicionado.

Objeção: silêncio

TESE 3:

Seja qual for o desdobramento que a História imponha à humanidade, todas as etapas servem à manifestação do Espírito Objetivo ou do Absoluto no mundo. O Espírito se manifesta na própria História.

Objeção: silêncio.


SÍNTESE DIALÉTICA:

Ao nos submetermos às leis necessárias no mundo da contingência, estamos paradoxalmente retornando ao incondicionado.

Reconhecer que somos parte de um projeto que nos transcende enquanto indivíduos, confere sentido à orquestra.

Enquanto seres que transitam entre as mutações da contingência, somos seres que cumprem um papel na cena cósmica - não sujeita a qualquer determinação.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

ANTES DO PONTO ZERO


Antes do quadro, a tela em branco.
Antes do poema, a folha em branco.
Esse instante que antecede o marco zero de uma obra é a plenitude,
porque todas as possibilidades estão presentes:
o ser e o nada em confluência...

sábado, 11 de julho de 2009

O SER EM ESTADO LÍQUIDO

Assim é: meu ser se desmancha e se derrama sobre a superfície do mundo, como se eu houvera atingido o estado líquido da essência possível. Não tenho mais unidade enquanto um eu; esse pronome do caso reto, aliás, já não faz qualquer sentido... No estado líquido é impossível ter contornos definidos, algo que me delimite em relação àquilo que seria o “de fora”. Em estado líquido eu sou o espaço e as coisas onde estou. O mundo me confere forma; as coisas são em mim. E eu assumo a condição de uma consciência oceânica: densa, profunda, poderosa e controlada. Pura força oculta. Movimento que se dá em tudo de forma não testemunhável. O que faço agora é uma tarefa quase sem sentido: tentar dizer o indizível - aquilo que já está para além das palavras, posto que inútil significar um mundo que já não tem limites...

domingo, 24 de maio de 2009

REFLEXÕES

Apenas as vidas incompletas podem ansiar pela completude. (Se tudo já estivesse perfeito, quem buscaria sentido para as coisas ?)
Diríamos que, dentre todos os homens, é o filósofo aquele que mais se coloca sob o signo de Penia - tal como ensina Platão no diálogo O Banquete - e que sente com intensidade máxima sua condição existencialmente indigente.
Há, portanto, em função disso, um impulso por dissolver essa indigência numa plenitude não-sujeita às flutuações temporais. Nisso se revela um segundo apelo da natureza humana: ela se põe na contingência, mas anseia pelo que é permanente. Esta é a razão pela qual Eros (que é princípio de ligação que permeia tudo o que existe) nos leva à contemplação do Bem Supremo: a cada "estrato" da realidade fenomênica que é vencido, vamos sendo quindados a zonas do real cada vez mais imateriais, onde a temporalidade já não exerce o seu domínio e onde é possível vencer a transitoriedade. É claro que nisso se descortina um prazer: aquele que remete à paz, à serenidade ou, no dizer dos céticos e epicuristas, a uma ataraxia - ou seja - à tranquilidade do espírito em relação às paixões.
Herbert Marcuse, na esteira do pensamento de Freud, interpreta este anseio pela tranquilidade como um retorno à condição do inorgânico, portanto, algo que se assemelha à pulsão de morte.
Diríamos que tal interpretação mutila o homem, fazendo deletar de sua natureza algo que lhe é tão inerente quanto buscar explicações lógicas e racionais para as coisas: a de que há um apelo inexorável a especular sobre realidades transcendentes.
Lembramos aqui as palavras de Diotima, no diálogo O Banquete, quanto à sabedoria e à ignorância. Ao provocar Sócrates quanto ao que ele pensa ser uma coisa e outra,e se ambas são conclusivamente excludentes, ela responde que há entre uma e outra "o opinar certo" que é um elo de ligação entre a sabedoria e o entendimento. Em palavras textuais:
"O opinar certo, mesmo sem poder dar razão, não sabes, dizia-me ela, que nem é saber - pois o que é sem razão, como seria ciência? - nem é ignorância - pois o que atinge o ser, como seria ignorância? - e que é, sem dúvida, alguma coisa desse tipo a opinião certa, um intermediário entre o entendimento e a ignorância."
Ora, se todos os povos sobre a face da Terra desenvolveram algum tipo de pensamento sobre realidades transcendentais, há algo na natureza humana que - tal como um centauro - aponta sua seta nessa direção: se ainda não é plenamente racionável (metade cavalo) não é, de forma alguma, alheia à natureza do homem (metade humana).
Assim sendo, amordaçar a alma inquieta do homem e negar a ela a possibilidade de pertencer a um projeto cósmico do qual ainda nada podemos efetivamente saber é negar a ele sua metade instintiva - porque há um instinto, sim, que é da ordem do não-corporal.
Um instinto que exige resolver a pertença do homem a naturezas contrapostas através da harmonização em um ponto que se coloca para além do vôo cego que é a vida na contingência.

domingo, 12 de abril de 2009

COM LICENÇA POÉTICA ( A CASA É SUA, ADÉLIA PRADO!)

"Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado para mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e,
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição para homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou."
( Retirado do Livro Bagagem - Adélia Prado)

OUROBOROS

Vai uma folha ao vento...

(Haveria uma folha ao vento, não houvesse um par de olhos para testemunhá-lo?)

Quem enunciaria: “vai uma folha ao vento?”

Uma folha ao vento seria, assim, apenas uma ocorrência silenciosa...

Sem palavras...

Um mistério do mundo, ocultando toda a sua poesia...

(Mas... haveria poesia nisso, não houvesse um par de olhos para significá-lo? )

domingo, 8 de março de 2009

A FALHA DO PROJETO ILUMINISTA

O racionalismo iluminista representou uma guinada nos paradigmas conceituais da História Ocidental eurocêntrica, ao transitar da aceitação pura e simples da autoridade da Igreja Católica para o anseio pelo conhecimento com suporte em hipóteses racionais e comprovação experimental.

Desde que conjugado corretamente, o verbo conhecer teria o condão de levar a humanidade a vivenciar uma Idade das Luzes – assim reza a tradição que se iniciou com Descartes.

No entanto, cá estamos nós, os herdeiros da Aufklärung, a braços com a fome e os vermes, com os homeless e a crise financeira mundial, com a falta de sentido e com o vácuo de reflexão.

Se nos anos 60 e 70, a Guerra Fria era a responsável pelo receio da hecatombe nuclear, hoje vemos a própria Natureza assestar sua artilharia pesada não apenas contra o Homem, mas contra toda a vida do planeta.

Onde foi que falhamos?

Por óbvio, a culpa não pode ser imputada ao impulso absolutamente natural e salutar de buscar o conhecimento.

“Todos os homens por natureza tendem ao saber” – já dizia Aristóteles na abertura do Livro Alfa da Metafísica.

Mas o que nos aparta, hoje, na Modernidade, do desejo de saber dos gregos é a pouca disposição para reconhecer que a racionalidade permeia tudo o que existe, e não existe apenas no Homem; ou seja: existe uma razão objetiva no mundo.

Nesse sentido, aponta o diagnóstico de Max Horkheimer, em Eclipse da Razão:


“Durante longo tempo, predominou uma visão diametralmente oposta do que fosse razão. Essa concepção afirmava a existência da razão não só como uma força da mente individual, mas também do mundo objetivo: nas relações entre os seres humanos e entre as classes sociais,nas instituições sociais, na natureza e suas manifestações. Os grandes sistemas filosóficos, tais como os de Platão e Aristóteles, o escolasticismo e o idealismo alemão, todos foram fundados sobre uma teoria objetiva da razão (...) O grau de racionalidade de uma vida humana podia ser determinado segundo a sua harmonização com essa totalidade. (...) Esse conceito de razão jamais excluiu a razão subjetiva, mas simplesmente considerou-a como a expressão parcial e limitada de uma racionalidade universal, da qual se derivavam os critérios de medida de todos os seres e coisas.A ênfase era colocada mais nos fins do que nos meios.”
[1]

Tal maneira de ver o mundo conferia ao homem, portanto, um sentimento de pertencimento: o ser humano não era um bárbaro invasor no Universo, posto que o seu existir - e o de todas as coisas - era peça calculada de uma engrenagem cósmica. Esta liga entre todos os elementos do Cosmos – que Platão chamava de Eros - é que fazia com que o ser humano se sentisse comprometido com esse Todo.

É exatamente nesse compromisso com o Todo que repousa o limite da racionalidade subjetiva.


A mente humana anseia por categorizar, por leis que descrevam as regularidades do mundo.

Mas descrever as leis que regem as regularidades do mundo deveria representar o reconhecimento - no mundo - de uma racionalidade imanente, que não necessita se explicar a si mesma porque simplesmente é.

Daí a razão pela qual o pensamento oriental não é discursivo: o caminho do Oriente - complementar ao do Ocidente - anseia, ao contrário de nós... pelo silêncio...

A iluminação no Oriente não se dá através da razão discursiva, mas da razão contemplativa, tal como uma gota de água que, devolvida ao oceano, perde a sua identidade como gota e volta a se integrar ao Todo...

Renovo a pergunta: onde foi que falhamos?

Não falhamos, por certo, no ato de conhecer, mas em nossa atitude diante do conhecimento consumado, que foi posto à disposição da subjugação da Natureza, sem qualquer limite e em nome de interesses absolutamente desconectados de qualquer alteridade: nosso problema é de natureza ética.

Pelo fato de não havermos respeitado a racionalidade imanente da Natureza, ultrapassamos o limite do razoável: não criamos cultura, mas desrazão.

Acredito, no entanto, no movimento pendular da História, que tem no seu correlato oriental – o TAO TE KING – uma correspondência biunívoca: tudo traz em si o germe do seu oposto.

Talvez, estejamos próximos de mais uma guinada nos paradigmas conceituais da contemporaneidade...












[1] Horkheimer, Max. Meios e fins. In Eclipse da Razão. São Paulo: Centauro, 2002, pág. 10/11.

sábado, 7 de março de 2009

MAHATMA GANDHI

"A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo com que seus animais são tratados."

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

NA ESTEIRA DE GUIMARÃES...

Enfim, tudo pronto. A vida encaixotada e preparada para a mudança.Sorri,ao lembrar de um conto de Guimarães Rosa: A terceira margem do rio. E se o destino fosse esse? Jamais chegar...permanecer eternamente na ... trajetividade?
Nossa lógica binária nos engana... sim ...nos engana...
Uma proposição não se resolve entre o sim e o não, entre o isso e o aquilo, entre o “a” e o “b”...inexorável que entre as afirmações categóricas e as negações peremptórias sejam admitidas infinitas possibilidades não contempladas...
Mas somos seres que anseiam por solidez e certezas... Queremos destinos seguros - a margem convencional de qualquer rio - desconsiderando totalmente o princípio fundante da mecânica quântica ...
De onde vem essa necessidade quase orgânica de contornos definidos ? Por que não perceber a vida como uma pintura impressionista ? Uma imagem meio desfocada, uma sugestão, uma linda e sedutora possibilidade... uma nuvem caprichosa que ora é um enorme gato deitado, olhando para o poente, ora um pássaro abrindo as asas para alçar voo...
Ai, a virtualidade confere requinte e poesia ao estar vivo... Arranca-nos ao hábito das consistências efêmeras e nos põe em sintonia fina com o processo inesgotável e contínuo da transmutação...
A terceira margem do rio está franquiada apenas a alquimistas...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

DEFINIÇÕES PRECISAS

Gosto da sonoridade da palavra ash...

Cinzas jogadas ao vento são exatamente isso: ash...

Poeira cósmica redimida em retorno à casa do Pai.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

MENSAGEM DE SEGURANÇA

Esteja alerta:
A vida ainda vai te assaltar

com todas as suas
cores...cores...cores...cores...

domingo, 18 de janeiro de 2009

UNIVERSOS PARALELOS

Sinto o vazio daquilo que
- de nós -
poderia ter sido ...

(Mas o vácuo
– tal como a lei da gravidade -
sempre foi uma constante na minha vida...)


Contemplo,
impotente,
o mundo de dentro de um espelho...
E sou
apenas nos limites da moldura,
...como uma maldição...


Nossos diálogos transversais
são formas sutis de não-dizer.


Apenas nos falamos
sob a mediação de um oculto narrador:

vã tentativa de contato
entre os mortos e os vivos
em sessão de mesa branca...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

THANATOS

Um inesperado silêncio vai tomando conta de mim... Como uma onda que chega sem violência, mas decisiva...

Aos poucos, entro em trabalho de parto para uma outra vida...

xxx

O telefone toca. A operadora de telemarketing quer falar comigo. Digo a ela que Renata Montechiaro morreu... A mulher – consternada – pede desculpas...

xxx

De fato, não sei dizer quantas peles já abandonei...

Não aspiro mais à risada escancarada: a alegria bacante do mundo já não me seduz... Mansamente, vou me apropriando de um jeito tranqüilo de apenas sorrir... e, a despeito disso, ser mais feliz do que eu era antes...

Não sei, na verdade, se construí meus caminhos ou se o chão se fez sob os meus pés, à revelia da minha vontade...Tenho a sensação de ter estado obedecendo a uma diretriz oculta, e essa parece ser a única certeza intuída que possuo.

A vida se impôs a mim...

Mas não sinto que isso haja violentado a Declaração Universal dos Direitos Humanos...

xxx

Se eu tivesse de fazer uma escolha hoje, sentaria em um rochedo acima do mar, faria uma oração de agradecimento ao Universo e mergulharia no oceano, para um encontro com o deus Netuno
.